Problemas Ambientais Globais e Sustentabilidade
A Ordem Ambiental Global
Buscaremos mostrar nessa aula como podemos relacionar a ordem ambiental
global, através de diversos acordos ambientais na escala global, com a
possibilidade de vermos um mundo diferentemente e possível.
Milton Santos (2001: 20) diz “(...) podemos pensar na construção
de um outro mundo, mediante uma globalização mais humana. As bases materiais do
período atual são, entre outras, a unicidade da técnica, a convergência dos
momentos e o conhecimento do planeta.”
Acreditamos que os três elementos destacados na citação acima se
relacionam com a discussão ambiental internacional. Primeiro a questão da
técnica, apesar de globalmente seletiva e heterogênea, não podemos deixar de
notar que os avanços técnicos, sobretudo os mais recentes da Revolução
Técnico-Científica, colaboram com as preocupações de ordem ambiental. Os
satélites, os modernos sistemas de previsão de tempo e de desastres naturais, a
cooperação científica internacional, a divulgação de imagens em tempo real pela
mídia em praticamente todo o mundo são situações que revelam a relação entre o
avanço da técnica e uso que pode ser feito para uma questão ambiental.
A convergência de momentos e o conhecimento do planeta, de forma
integrada, se relacionam com o meio ambiente global através da necessidade
atual de um debate mais simétrico e emergente sobre o nível de degradação
ambiental do planeta, ainda que seja não podemos esquecer, uma degradação
excludente e desigual. Para isso, para que essa discussão ocorra sobre bases
mais seguras, tanto do ponto de vista teórico como o do empírico, o
conhecimento da dinâmica natural do planeta e sua relação dialética com a
sociedade é fundamental.
Nesse sentido, então, que propomos nessa aula uma análise histórica
sobre a forma como a sociedade, ao longo dos últimos 40 anos, usou a técnica,
os momentos e contextos históricos e os conhecimentos adquiridos em cada
período histórico para repensar nas questões ambientais em escala global.
Faremos assim um recorte temporal iniciando a nossa análise na década de 1970
até os últimos acordos ou reuniões ambientais de 2013.
É indicada como a primeira reunião internacional de discussão ambiental
a Conferência da Organização das Nações Unidas para o Meio Ambiente e
Desenvolvimento (CNUMAD) ocorrida em Estocolmo, na Suécia, no ano de 1972. A
preocupação central desse evento foi a discussão sobre a diminuição dos níveis
e das formas de poluição a partir de duas perspectivas bem diferentes: um
primeiro grupo adepto do chamado crescimento zero e um segundo grupo
adeptos do desenvolvimentismo.
O primeiro grupo, formado principalmente por representantes de países
mais ricos e membros da comunidade científica reunidos no Clube de Roma(1),
defendiam a contenção dos índices de crescimento econômico dos países pobres
diante da ameaça de esgotamento dos recursos naturais. Já o segundo grupo,
formado, sobretudo por representantes de países pobres, reivindicavam o direito
ao desenvolvimento, ainda que com impactos ambientais. Apesar dos discursos opostos,
essa conferência marcou o início das preocupações e reuniões de representantes
políticos sobre as questões ambientais e criou o Programa das Nações Unidas
para o Meio Ambiente (PNUMA) e incentivou a criação de ministérios e outros
órgãos públicos ligados a questão ambiental.
(1) Grupo de pesquisadores, cientistas, políticos e artistas que se
reuniam a partir de 1968 para a discussão de temas relacionados às relações
internacionais, economia, política e meio ambiente. O grupo publicou em 1972 um
importante relatório denominado Relatório do Clube de Roma ou Relatório Meadows que tratava da
questão ambiental global.
O debate sobre a relação entre desenvolvimento e sustentabilidade
polarizou o debate no início da década de 1970 e foi ainda mais reforçado
em 1973 quando o conceito de ecodesenvolvimento foi apresentado por
Maurice Strong e logo depois reformulado por Ignacy Sachs (1993).
Desenvolveremos melhor essa perspectiva e o conceito no módulo seguinte do
curso na aula que trata de sustentabilidade.
Nos anos 1980, a publicação do relatório Nosso Futuro Comum, mais
conhecido como Relatório ou Informe Brundtland, pela Comissão de Meio Ambiente
e Desenvolvimento da ONU, efetivou a discussão sobre o conceito de
desenvolvimento sustentável indicando 109 recomendações visando colocar em
práticas as discussões de 1972.
Ainda na referida década, em 1987, o Tratado de Montreal foi assinado
por boa parte dos países envolvidos nas questões ambientais, inclusive o
Brasil, e trata especificamente do problema do buraco da camada de ozônio. No
tratado, os 150 países signatários, se comprometeram em eliminar a produção e o
consumo de Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio (SDOs).
No ano seguinte, 1988, dentro das discussões acerca da questão do
aquecimento global e de seus efeitos no mundo, o PNUMA institui o Painel
Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC) com o objetivo de
“(...) preparar uma revisão abrangente e recomendações no que diz
respeito ao estado de conhecimento sobre a ciência da mudança climática, o
impacto social e econômico da mudança climática e as possíveis estratégias e
elementos para inclusão em uma possível convenção internacional sobre o clima
(2)”.
(2) Trecho retirado do site oficial do IPCC, em versão inglesa,
disponível em http://www.ipcc.ch/organization/organization_history.shtml#.Uo16F9I_tVI. Tradução
de Regina Tunes.
O segundo grande encontro mundial sobre questões ambientais foi a Conferência
das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), conhecida
também como ECO-92, Rio-92, ou Cúpula da Terra. Dentre outros objetivos, essa
reunião procurou estabelecer os avanços no conhecimento da questão ambiental
global dos últimos 20 anos (de 1972 – data da primeira reunião – até 1992),
examinar estratégias mundiais de incorporação da dimensão ambiental nos
objetivos econômicos dos países e estabelecer um sistema de cooperação
internacional para a previsão de catástrofes globais e ajuda em casos
emergenciais.
Os chefes de Estado dos 108 países com representatividade política na
conferência elaboraram três importantes documentos que versam sobre questões
ambientais: A Agenda 21, a Convenção da Biodiversidade e a Convenção sobre Mudança
do Clima apresentados, de forma bem resumida, no quadro a seguir.
Quadro 1 – Princípios norteadores das publicações
da ECO-92
Publicações
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Princípios
Norteadores
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Agenda 21
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O documento foi organizado em 4 seções com 40 capítulos ao todo que
tratam: dimensões econômicas e sociais; conservação e questão dos recursos
para o desenvolvimento; revisão dos instrumentos necessários para a execução
das ações propostas; a aceitação do formato e conteúdo da Agenda.
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Convenção da Biodiversidade
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Estruturada em três concepções: a conservação da diversidade
biológica; o uso sustentável da biodiversidade; a repartição justa e
equitativa dos benefícios provenientes da utilização dos recursos genéticos.
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Convenção sobre a Mudança do Clima
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Sob o princípio da precaução, os países signatários comprometeram-se a
elaborar uma estratégia global para proteger o sistema climático para
gerações presentes e futuras. Não obstante, ela enfatiza que as responsabilidades
das partes signatárias, embora comuns, devem ser diferenciadas, observando-se
as necessidades específicas dos países em desenvolvimento e as dos países
mais vulneráveis.
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A partir de 1994, a Conferência das Partes (COP) passou a ser realizada
no âmbito da Convenção sobre Diversidade Biológica - CDB. Essas conferências
reúnem delegações oficiais dos 188 membros da Convenção sobre Diversidade
Biológica para a discussão de temas emergentes relacionada ao ambiente global
apresentadas no quadro abaixo.
Quadro 2 – Conferências das Partes (COPs) – 1994 a
2013
COPs
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Local
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Principais Discussões
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COP 1
1995
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Berlim, Alemanha
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Inicia o processo de negociação de metas e prazos específicos para a
redução de emissões de gases de efeito estufa para os países desenvolvidos. É
sugerida a constituição de um Protocolo.
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COP 2
1996
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Genebra, Suíça
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É acordada a criação de obrigações legais de metas de redução por meio
da Declaração de Genebra.
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COP 3
1997
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Quioto, Japão
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Culminou com a adoção do Protocolo de Quioto, estabelecendo metas de
redução de gases de efeito estufa para os principais países emissores,
chamados países do Anexo I.
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COP 4
1998
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Buenos Aires, Argentina
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O Plano de Ação de Buenos Aires é elaborado, visando um plano de
trabalho para implementar e ratificar o Protocolo de Quioto.
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COP 5
1999
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Bonn, Alemanha
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Deu continuidade aos trabalhos iniciados em Buenos Aires.
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COP 6
2000
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Haia, Holanda
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As negociações são suspensas pela falta de acordo entre,
especificamente, a União Européia e os Estados Unidos em assuntos
relacionados a sumidouros e às atividades de mudança do uso da terra.
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COP 7
2001
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Marrakesh, Marrocos
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As negociações são retomadas, porém, com a saída dos Estados Unidos do
processo de negociação, sob a alegação de que os custos para a redução de
emissões seriam muito elevados para a economia americana, bem como a
contestação sobre a inexistência de metas para os países do sul.
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COP 8
2002
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Nova Délhi, Índia
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Iniciou a discussão sobre o estabelecimento de metas de uso de fontes
renováveis na matriz energética dos países
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COP 9
2003
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Milão, Itália
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Entra em destaque a questão da regulamentação de sumidouros de carbono
no âmbito do MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo)
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COP 10
2004
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Buenos Aires, Argentina
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São aprovadas as regras para a implementação do Protocolo de Quioto e
discutidas as questões relacionadas à regulamentação de projetos de MDL de
pequena escala de reflorestamento/florestamento, o período pós-Quioto e a
necessidade de metas mais rigorosas.
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COP 11
2005
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Montreal, Canadá
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11ª Conferência das Partes e 1ª Reunião das Partes do Protocolo de
Quioto (MOP1). Primeira conferência realizada após a entrada em vigor do
Protocolo de Quioto.
Pela primeira vez, a questão das emissões oriundas do desmatamento
tropical e mudanças no uso da terra é aceita oficialmente nas discussões no
âmbito da Convenção.
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COP 12
2006
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Nairóbi, Quênia
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Representantes de 189 nações assumem o compromisso de revisar o
Protocolo de Quioto e regras são estipuladas para o financiamento de projetos
de adaptação em países pobres. O governo brasileiro propõe oficialmente a
criação de um mecanismo que promova efetivamente a redução de emissões de
gases de efeito estufa em países em desenvolvimento oriundas do desmatamento.
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COP 13
2007
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Bali, Indonésia
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Pela primeira vez a questão de florestas é incluída no texto da
decisão final da Conferência para ser considerada no próximo tratado
climático, tendo os países um prazo até 2009 para definir as metas de redução
de emissões oriundas do desmatamento em países em desenvolvimento pós-2012.
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COP 14
2008
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Poznan, Polônia
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Continuidade no processo de
negociações estabelecido pelo “Mapa do Caminho de Bali” (Bali Road Map) em
2007 com o objetivo de definir um novo acordo legal nas decisões de
Copenhagen, em 2009, durante a COP15/MOP5.
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COP 15
2009
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Copenhague, Dinamarca
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Tentou-se buscar consenso em torno do
chamado Acordo de Copenhagen (AC). Tal acordo, contudo, não foi aprovado pela
totalidade dos 192 países membros da Convenção. Apesar de ser politicamente
frágil, o AC representou um grande avanço no sentido de reconhecer a promoção
de reduções de emissões resultantes de desmatamento e degradação florestal
(REDD) como medida crucial para mitigar os efeitos das mudanças climáticas.
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COP 16
2010
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Cancún, Mexico
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Poucas foram as expectativas para a
16ª Conferência das Partes, que ocorreu em Cancun (México). Apesar disso,
avanços ocorreram como, por exemplo: a criação do Green Climate Fund (Fundo
Climático Verde) com o objetivo de ajudar os países em desenvolvimento a reduzirem
suas emissões e se adaptarem aos efeitos adversos da mudança do clima e o
apoio à implementação de elementos chaves para compensar os países por
protegerem as suas florestas via mecanismo de REDD+. Além disso, foi na COP16
que o Brasil lançou sua Comunicação Nacional de Emissões de Gases de Efeito
Estufa e anunciou a regulamentação da sua Política Nacional sobre Mudança do
Clima através do Decreto nº 7390, assinado pelo presidente no dia 09 de
dezembro. Isto torna o Brasil à primeira nação a assumir formalmente e se
auto impor limites de reduções de emissões (no máximo 2,1 bilhões de CO2 até
2020)
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COP 17
2011
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Durban, África do Sul
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Aprovada a extensão do Protocolo de Quioto a um pequeno grupo de
países e sem um prazo determinado.
Indicação de um futuro protocolo ou acordo com a participação de EUA e
China, os dois maiores poluidores do planeta.
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COP 18
2012
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Doha, Catar
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Trinta e seis países aderiram ao segundo período de compromisso do
Protocolo de Kyoto, que vai de janeiro de 2013 a dezembro de 2020. As metas
de redução de emissão de gases de efeito estufa do conjunto de países
significa uma redução de 18% de emissões de países desenvolvidos em relação
as taxas de 1990.
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COP 19
2013
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Varsóvia, Polônia
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Reunião realizada em novembro de 2013 com poucas decisões. As ONGs
presentes no evento se retiraram antes da finalização do evento como ato de
protesto ao pouco envolvimento e decisão do evento.
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Fonte das informações: http://www.ipam.org.br/saiba-mais/abc/mudancaspergunta/O-que-sao-as-Conferencias- das-Partes-/22/12 e http://www.wwf.org.br/?uNewsID=33422.
Acesso em 21/11/13.
Dentre as decisões e encaminhamentos dados no histórico das COPs, sem
dúvida alguma, o mais importante instrumento de regulação das relações
internacionais voltada ao meio ambiente foi o Protocolo de Quioto.
O Protocolo de Quioto, inicialmente discutido em 1997 na COP 3, mas
ratificado por mais da metade dos países pertencentes a Convenção-Quadro das
Nações Unidas apenas em 2004 na COP 10 é considerado o mais ambicioso acordo
ambiental porque define um valor na redução da emissão de gases poluentes –
5,2% de redução em relação ao nível de emissão de cada país durante a década de
1990 - e considera de forma diferente a posição de países ricos e pobres.
Esse último aspecto foi, na verdade, um dos grandes avanços do
Protocolo. Considerou-se que os países ricos contribuírem efetivamente para os
problemas ambientais globais, em destaque o aquecimento global, há mais tempo e
de forma mais intensa do que os países mais ricos. Por isso, pelo documento, os
países têm meta de redução (5,2% entre 2008 e 2012) e os países pobres que
assinaram o documento não tem meta, apesar de ter o compromisso com a redução
dos gases poluentes.
A principal controvérsia quanto ao Protocolo de Quioto foi a não
ratificação por parte do EUA. O presidente norteamericano George W. Bush argumentou
que a concordância com o Protocolo causaria grande impacto na economia
norteamericana o que poderia levar a um cenário de crise e desemprego no país.
Além disso, o então presidente discordou da não inclusão da China e da Índia
entre os países com metas de redução de gases poluentes.
O ano de 2012 foi o último ano de vigência do Protocolo que em 2012 na
COP 18 foi adiada para 2020 com uma meta de redução de 18% em relação ao
que foi emitido na década de 1990. O que devemos agora é aguardar maior envolvimento
por parte dos trinta e seis países signatários para a efetiva diminuição e
cumprimento do acordo ambiental global.
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