Composição do Material Genético e Aplicações da Genética Molecular

Temática: Composição do Material Genético

Desde o início do curso de genética estamos estudando os tipos de herança que encontramos na natureza, discutindo as terminologias e, em algumas aulas, discorrendo sobre algumas doenças de origem genética. Embora sempre tenhamos citado a palavra gene, este ainda não havia tido sua composição química definida e o seu modo de ação esclarecido. Boa parte dos cientistas acreditava que o material genético eram as proteínas, devido à sua grande diversidade.
Somente ao final dos anos , a natureza química dos genes foi descoberta e, a partir daí, demos um grande salto na compreensão de muitas doenças e no próprio modo de transmissão da herança genética.
A história do DNA teve início no final da década de 1860 com os estudos do médico suíço Friedrich Miescher (1844-1895), na Universidade de Tübingen. Miescher trabalhava com células do pus e reparou que em alguns dos seus experimentos formou-se um precipitado quimicamente diferente das outras substâncias proteicas conhecidas. A substância que formava esse precipitado estava presente no núcleo celular, que, na época, era tido como uma estrutura de pouca importância na célula. Uma análise química mais detalhada mostrou que a substância desse precipitado era composta de hidrogênio, carbono, oxigênio, nitrogênio e fósforo. A identificação desse precipitado como uma nova substância se deu pelo fato de que as proteínas não possuem fósforo em sua composição, além de que as quantidades relativas dos outros elementos químicos não eram equivalentes ao encontrados nas proteínas. Assim, Miescher, pelo fato de a substância estar concentrada no núcleo celular, deu o nome de nucleína a essa nova substância.
No ano de 1889, Richard Altmann (1852-1900) obteve preparações altamente purificadas de nucleína e verificou o seu caráter ácido, sugerindo que essa substância passasse a ser chamada de ácido nucleico. Albert Kossel (1853-1927), outro pesquisador de grande importância na história do DNA, em 1877, juntou-se ao grupo de pesquisas de Hoppe-Seyler, que trabalhava na Universidade de Estrasburgo, na França, onde iniciou seus estudos da composição química das diferentes nucleínas encontradas em diferentes células. Nesses estudos ele identificou as bases nitrogenadas adenina e guanina, já conhecidas anteriormente. Em 1893, Kossel descobriu uma nova base nitrogenada em células provenientes do timo, dando o nome de timina a essa base. Em seguida, descobriu a existência de uma quarta base nitrogenada na nucleína, a qual ele chamou de citosina. No ano seguinte, Kossel e seu grupo de pesquisa descobriram que os ácidos nucléicos também continham pentose (um açúcar de 5 átomos de carbono).
Em 1930, Phoebis Levine (1869-940) e seus colaboradores identificaram a pentose do ácido nucleico como 2-desoxi-D-ribose. Essa pentose diferia da ribose (já conhecida na época) por possuir um átomo de oxigênio a menos no carbono 2. Com essa identificação ficaram então caracterizados dois tipos de ácidos nucleicos: o ácido ribonucléico (RNA, em inglês ribonucleic acid) e o ácido desoxirribo nucléico (DNA, em inglês deoxyribose nucleic acid). Somente a partir da década de 1940 alguns indícios apontavam para o DNA como material genético, o que levou inúmeros pesquisadores a voltarem sua atenção para essa substância.
Até o final da década de 1940 todas as informações sobre o DNA estavam dispersas, o que não levava os cientistas à conclusão alguma. Foi então que o biólogo James D. Watson e o físico Francis H. C. Crick decidiram juntar todos os dados disponíveis até o momento e determinar a estrutura da molécula de DNA. Para realizar tal fato, Watson e Crick usaram difração de raio-X para analisar a molécula e, ao final dos estudos, propuseram um modelo de dupla-hélice, o qual explicava ao menos três características fundamentais do material genético: a capacidade de conter informações para a síntese de proteínas, capacidade de sofrer mutações e capacidade de duplicação. Esse modelo, proposto em 1953, foi prontamente aceito por toda a comunidade científica, que junto com muito esforço de milhares de cientistas de todas as partes do mundo, nos levou a esse enorme avanço na área da biotecnologia que vivemos hoje.
Foi em meados da década de 1930 que surgiram os primeiros indícios experimentais de que os genes atuam por meio do controle da síntese de proteínas. Um experimento realizado por George W. Beadle (1903-1989), Boris Ephurussi (1901-1979) e Edward L. Tatum (1909-1975) demonstrou que a cor do olho alterada em um mutante de D. melanogaster se devia à incapacidade da mosca realizar uma reação química de uma determinada via metabólica da síntese do pigmento normal. Uma vez que o inseto D. melanogaster é um organismo muito complexo para poder afirmar os resultados obtidos inicialmente, Beadle e Tatum resolveram utilizar o fungo Neurospora crassa, conhecido popularmente como bolor rosado do pão, que é um organismo mais simples quando comparado a D. melanogaster.
Os resultados dos experimentos de Beadle e Tatum consolidaram a teoria um gene – uma enzima, a qual logo em seguida foi alterada para teoria um gene – uma proteína. Tempos depois foi descoberto que uma proteína pode ser formada por mais de uma cadeia polipeptídica (proteínas que possuem mais de uma cadeia polipeptídica possuem uma estrutura quartenária, a qual se dá pelo arranjo dessas cadeias) e passou então a se falar em teoria um gene – um polipeptídio.
Todas essas descobertas da primeira metade do século XX conduziram os pesquisadores aos estudos da genética molecular. Os primeiros estudos mostraram que o DNA atua diretamente na síntese de proteínas. Assim, o DNA contém as instruções para a síntese de uma dada proteína codificada na seqüência de suas bases nitrogenadas, as quais são transcritas para uma molécula de RNA e, a partir destas, as instruções serão traduzidas na forma de proteína.
Existem três tipos de RNA envolvido na síntese de proteínas. O primeiro deles é o RNA mensageiro, abreviado como mRNA. Ele nada mais é do que uma cópia do gene de interesse na forma de RNA, uma vez que o DNA não sai do núcleo celular. Cada sequência de 3 bases nitrogenadas corresponde ao que chamamos de códon. Observe:
5’ AUGCUAGGCGAACAUACGAUCUUACAU 3’
Podemos notar algumas diferenças básicas entre uma molécula de DNA e uma de RNA. Em primeiro lugar, a molécula de RNA é composta de apenas uma fita, ao passo que a molécula de DNA é composta de uma dupla-fita. Em segundo lugar, na molécula de RNA não encontramos a base nitrogenada timina, a qual é substituída pela base nitrogenada ura-cila (U). Acima também notamos a existência de 9 códons diferentes (cada um está representado por uma cor). Um códon é uma sequência de 3 bases nitrogenadas, as quais determinarão um aminoácido correspondente, embora códons diferentes possam codificar o mesmo aminoácido, como veremos mais adiante.
O segundo tipo de RNA é o RNA ribossômico (rRNA), os quais, juntamente com determinadas proteínas, formam os ribossomos, organelas responsáveis pela construção das cadeias polipeptídicas que formam as proteínas.
O terceiro tipo é o RNA transportador (tRNA), que tem a função de conduzir os aminoácidos ao complexo ribossomo + mRNA durante o processo de tradução. Nele encontramos uma sequência de nucleotídeos que é complementar a dos códons e, por isso, são chamados de anti-códons. Por exemplo, se encontrarmos a sequência GAU de um determinado códon, o seu anti-códon será CUA, o que possibilita o correto pareamento entre códon e anti-códon.
Para compreender a maneira pela qual a síntese proteica se dá efetivamente, precisamos conhecer o código genético. Somente em 1960 o cientista Marshall Nirenberg descobriu que o códon UUU encontrado no mRNA codificava o aminoácido fenilalanina. Essa descoberta abriu o caminho para a identificação da sequência de nucleotídeos que codificam todos os outros aminoácidos encontrados nas proteínas.
Como existem 4 bases nitrogenadas e cada códon é uma sequência de 3 dessas bases, temos 43 (64) possibilidades de diferentes combinações. No início, os cientistas acreditavam que existissem também 64 aminoácidos diferentes na natureza. Com o avanço dos estudos descobriu-se que existe um número muito menor de aminoácidos e que um mesmo aminoácido pode ser codificado por mais de um códon. Assim, dizemos que o código genético é degenerado. Observe o código genético na tabela abaixo:

















Temática: Aplicações da Genética Molecular


Werner Arber (n. 1929), Daniel Nathans (1928-1999) e Hamilton Smith (n. 1931) descobriram, no início de 1970, que certas enzimas bacterianas tinham a capacidade de cortar moléculas de DNA em sítios específicos, o que criava fragmentos de tamanhos diferentes e que podiam ser analisados. Essas enzimas, chamadas enzimas de restrição ou endonucleases de restrição atuavam como verdadeiras “tesouras moleculares” e proporcionaram um grande avanço no estudo do da função dos genes.
A descoberta dessas enzimas não demonstrava apenas um novo mecanismo de defesa bacteriana contra a ação de vírus bacteriófagos, mas demonstrava também o seu grande potencial em cortar fragmentos específicos de moléculas de DNA. Por esse fato, os seus descobridores ganharam o Prêmio Nobel de Medicina ou Fisiologia no ano de 1978.
Como dito previamente, as endonucleases de restrição cortam moléculas de DNA em pontos específicos, ou seja, uma dada enzima X corta o DNA sempre que encontrar a sequência ATGGC, criando dois fragmentos, AT e GGC. Assim:
5’ TTAGCTAGCTAGATGGCTTAGGCGA 3’--> 5’ TTAGCTAGCTAGAT 3’+ 5’ GGCTTAGGCGA 3’
Lê-se: Sequência 5 linha 3 linha
As enzimas de restrição deixam extremidades de dois tipos diferentes: extremidades abruptas ou extremidades coesivas.
Veja o esquema a seguir:
Extremidades abruptas:
5’ ATGCGATGGCTAG 3’ --> 5’ ATGCGA 3’ + 5’ TGGCTAG 3’
3’ TACGCTACCGATC 5’ 3’ TACGCT 5’ 3’ ACCGATC 5’
Extremidades Coesivas:
5’ ATGCGATGGCTAG 3’ --> 5’ ATGCGATGG 3’ + 5’ CTAG 3’
3’ TACGCTACCGATC 5’ 3’ TACGCT 5’ 3’ ACCGATC 5’
Hoje já foram isoladas mais de 200 endonucleases de restrição diferentes, cada uma cortando uma sequência específica do DNA. Observe a tabela abaixo que mostra algumas delas:





Observe o seguinte: todas as enzimas relacionadas acima clivam o DNA em sítios cuja sequência quando lida na direção 5’ --> 3’ é a mesma se lida na direção contrária, ou seja, 3’ --> 5’. A esse tipo de sequência damos o nome de sequência palindrômica. O mesmo encontramos na língua portuguesa, como na frase: “Socorram-me, subi no ônibus em Marrocos”. Essa frase, quando lida de trás para frente, tem o mesmo conteúdo. Experimente!
CLONAGEM MOLECULAR
Com a descoberta das endonucleases de restrição deu-se início à era da clonagem molecular. Em um congresso científico no Havaí, Stanley Cohen (n. 1922) encontrou Herbert Boyer (n. 1936). Cohen trabalhava complasmídeos bacterianos, tentando isolar genes que forneciam resistência a antibióticos nas bactérias. Já Boyer trabalhava com enzimas de restrição. Dessa parceria surgiu uma ideia que se funcionasse seria totalmente revolucionária.
Cohen e Boyer estavam dispostos a tentar cortar o DNA de plasmídeos, emendá-lo a outro fragmento de DNA de interesse e introduzi-lo de volta à célula bacteriana, produzindo assim um DNA recombinante. A ideia central era verificar se moléculas produzidas dentro de tubos de ensaio seriam capazes de se multiplicar na bactéria, gerando cópias idênticas a si nas células filhas, a cada vez que essas bactérias se multiplicassem. Com essa ideia, Cohen e Boyle desenvolveram a principal ferramenta usada na genética molecular: a clonagem de DNA ou DNA recombinante. Por meio do uso desse método, hoje temos a produção de proteínas humanas de interesse médico em laboratório, o que anula o risco de contaminação por vírus ou outros microorganismos, uma vez que muitas proteínas humanas eram isoladas de cadáveres, como por exemplo, a somatotrofina (hormônio do crescimento).
A primeira proteína humana a ser produzida a partir de engenharia genética e aprovada para uso foi a insulina. Antes desse feito, pessoas diabéticas tinham como fonte desse hormônio o pâncreas de bois e porcos. Embora a insulina desses animais seja muito parecida com a insulina humana, algumas pessoas apresentavam problemas alérgicos. Como a insulina obtida por engenharia genética é idêntica à humana (um clone na verdade), mais um problema foi solucionado pela engenharia genética.
Com a patente desse método, Cohen e Boyer passaram a receber os royalties (dividendos) dos laboratórios, recebendo, assim, cerca de 27 milhões de dólares. Cohen declarou: “Boyer e eu não trabalhamos com objetivo de inventar a engenharia genética. Ela surgiu devido aos nossos esforços em compreender fenômenos biológicos básicos e ao concluir que nossa descoberta tinha aplicações práticas importantes”. Hoje, graças aos estudos de Cohen e Boyer, temos disponíveis diversas proteínas humanas, como por exemplo, a insulina, o hormônio do crescimento, o fator VIII de coagulação sanguínea, dentre outras.
Atualmente existem métodos mais precisos de inserção do DNA recombinante no hospedeiro, podendo ser realizados por meio de vírus ou por cromossomos artificiais de levedura. Esses métodos apresentam vantagens relativas quanto à clonagem sobre plasmídeos, sendo necessário, portanto avaliar quais são os objetivos e, a partir daí, escolher o melhor método.
Em relação ao uso de vírus, estes podem clonar fragmentos de DNA muito maiores do que os possíveis em plasmídeos. Em geral, o vírus usado como vetor é o fago lambda, o qual é um dos bacteriófagos mais bem estudados do seu ponto de vista genético. Todos os seus genes já foram sequenciados e já é conhecida a exata sequência em que cada um deles entra em atividade após o DNA viral ter sido injetado na bactéria hospedeira. Para se clonar sequências muito grandes de DNA utilizam-se células e leveduras Saccharomyces cerevisae.

Nesse método, o vetor é um vetor de DNA plasmidial capaz de se multiplicar nas células como se fosse um cromossomo desse próprio fungo, sendo esse vetor chamado de YAC, do inglês yeast artificial chromosome.

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