A questão ambiental
A emergência da questão ambiental na escala
global
A questão ambiental, nos últimos anos, se tornou um dos temas mais
debatidos pela sociedade e eixo de intervenção e de discussão dos Estados
através de reuniões temáticas e órgãos supranacionais, com grande destaque para
o papel da Organização das Nações Unidas (ONU).
Consideramos como um pressuposto importante nessa discussão levar
em conta que a questão ambiental emerge como uma das grandes problemáticas do
novo século e que podemos estabelecer uma relação disso com o processo de
globalização.
Morosine (2005) afirma que
a capacidade que a sociedade tem de interferir na natureza para dela retirar o
seu sustento e sobrevivência, permitiu a exploração e consumo de recursos por
muito tempo sem que se pensasse em sua conservação. Esse tipo de relação entre
sociedade e natureza persistiu por muito tempo na história mundial e foi
decisiva nos momentos de colonização, neocolonização e na Revolução Industrial
inglesa do século XIX.
Somente há poucas décadas,
em decorrência da ampliação da escala dos problemas ambientais, do aumento dos
índices de poluição e da constatação de que muitos recursos naturais não são
renováveis é que se iniciou um movimento em favor da utilização racional destes
recursos. Podemos afirmar que, do ponto de vista histórico, esse movimento
ambiental amplia as suas bases e sua divulgação na mídia internacional a partir
da segunda metade do século XX.
Período este que se
assemelha a fase de ampliação das relações comerciais, culturais, sociais e
políticas que pode ser sintetizado pelo processo de globalização ou também
denominado pela literatura francesa de processo de mundialização.
Iniciaremos com a análise do processo de globalização a partir da
importante contribuição do geógrafo Milton Santos que nos faz pensar sobre a
globalização como fábula, como perversidade e como possibilidade de outro mundo
possível.
A partir da ideia de que a globalização também pode ser
evidenciada a partir de uma perspectiva solidária, como Milton Santos propõe,
vamos analisar o que tem sido debatido e acordado na atual ordem mundial sobre
as questões ambientais, especialmente no que concerne a atuação de organismos
supranacionais como a ONU.
A seguir nossa discussão
parte para a análise do problema ambiental que possui hoje a maior atenção da
mídia internacional e nacional e que tem mobilizado uma série de reuniões e
acordos relacionados à questão climática. Retomamos para isso pressupostos
importantes sobre a poluição atmosférica na escala global e analisamos a
problemática do efeito estufa e do aquecimento global.
O efeito estufa e o
aquecimento global são apresentados como questões que emergem das discussões
globais ligadas ao meio ambiente e que revelam disparidade na forma como
entendemos a dialética sociedade e natureza. Assim o encaminhamento dado a essas
questões vai à direção de mostrar questionamentos sobre a forma como entendemos
esses processos globais relacionando-os com a ideia de uma possibilidade de
sustentabilidade ambiental.
Especialmente sobre a
questão da sustentabilidade ambiental apresentamos alguns questionamentos a
seguir que procuram enfatizar a problemática sustentável a partir das
características que fundamentam a sociedade capitalista contemporânea que podem
ser sintetizadas a partir da perspectiva das desigualdades de desenvolvimento
dos países do mundo.
Para estabelecer essa
relação se fez necessário primeiro esclarecer como entendemos a concepção de
desenvolvimento, diferenciando-se assim da ideia de crescimento econômico, para
chegarmos a tratar especialmente das desigualdades de desenvolvimento e a
relação com as questões ambientais sintetizadas a partir do conceito de
desenvolvimento sustentável.
O processo de globalização
Podemos entender que a globalização é um processo de integração
cada vez maior entre os mercados mundial possibilitado pelo avanço técnico das
comunicações e dos transportes. Isso significa dizer que o cerne do processo
atual de globalização reside na relação entre o encurtamento do tempo pelo
espaço, ou nas palavras do geógrafo David Harvey (1993:219) “a compressão do
tempo-espaço” representado na figura abaixo.
Figura 1 – O encolhimento
do mapa do mundo graças à inovações nos transportes que ‘aniquilam o espaço por
meio do tempo’.
O que a figura publicada originalmente por Harvey mostra é que com
a evolução técnica dos transportes e das comunicações a relação com o tempo e o
espaço foi alterada, ao ponto que metaforicamente na imagem, temos hoje um
mundo cada vez menor.
“A seguir, vou me referir
com frequência ao conceito de ´compressão do tempo-espaço’. Pretendo indicar
com essa expressão processos que revolucionaram as qualidades objetivas do
espaço e do tempo de nos forçarem a alterar, ás vezes radicalmente, o modo como
representamos o mundo para nós mesmos. Uso a palavra ‘compressão’ por haver fortes indícios
de que a história do capitalismo tem se caracterizado pela aceleração do ritmo
de vida, ao mesmo tempo em que venceu as barreiras espaciais em tal grau que
por vezes o mundo aparece encolher sobre nós” (HARVEY, 1993: 219).
Outro importante ponto que
ressaltamos no uso da imagem acima para referenciar o processo de globalização
é a questão do tempo cronológico e histórico. Apesar de o vocábulo globalização
ser de uso mais freqüente hoje, não podemos afirmar que esse processo iniciou-
se há pouco tempo. Pelo contrário, como bem mostra David Harvey (1993), se
quisermos pontuar um início do processo de globalização provavelmente teremos
que retroceder vários séculos e iniciarmos uma análise histórica a partir do
começo do sistema capitalista de produção.
Porém, como Harvey e
vários outros autores da área de ciências humanas - podemos citar entre eles
Milton Santos, Renato Ortiz, Eric Hobsbawm, entre outros – apontam o processo
de globalização deve ser entendido como um fenômeno histórico fragmentado,
excludente e seletivo, o que significa dizer que precisamos ter um olhar
crítico sobre a forma como nos é apresentado o processo e a forma como de fato
o processo de apresenta na escala mundial.
Milton Santos (2001) nos
apresenta a globalização a partir de três perspectivas interessante
apresentadas, segundo o autor, para compreender o processo fugindo de uma
perspectiva enganosa. Santos (2001:18) define “o primeiro seria o mundo tal
como nos fazem vê-lo: a globalização como fábula; o segundo seria o mundo tal
como ele é: a globalização como perversidade; e o terceiro, o mundo como ele
pode ser: uma outra globalização”.
Na primeira perspectiva, o
mundo como fábula, o autor se refere a forma como nos é apresentada a
globalização, principalmente pela mídia e pelo marketing de empresas globais,
como um processo capaz de homogeneizar o espaço e dar acesso a toda a sociedade
mundial dos benesses do processo globalizante, leia-se do acesso a tecnologia
de ponta, dos meios de comunicação cada vez mais rápidos, dos avanços médicos
que garantem qualidade de vida e ampliam a expectativa de vida.
Porém, a globalização como
perversidade nos mostra como essas vantagens do processo de globalização se
manifestam efetivamente no mundo.
“De fato, para a grande
maior parte da humanidade a globalização está se impondo como uma fábrica de
perversidades. O desemprego crescente torna- se crônico. A pobreza aumenta e as
classes médias perdem em qualidade de vida. O salário médio tende a baixar. A
fome e o desabrigo se generalizam em todos os continentes” (SANTOS, 2001: 19).
Os dados do último
Relatório do Desenvolvimento Humano (2011) mostram que os 50% mais pobres da
população respondem por apenas 1% da riqueza do planeta. A renda pessoal está
distribuída de maneira tão desigual no mundo que os 2% mais ricos da população
adulta detêm mais de 50% dos ativos mundiais, enquanto os 50% de pessoas mais
pobres detêm apenas 1% da riqueza do planeta.
A questão ambiental também
pode ser discutida a partir dessa perspectiva da (re)produção das
desigualdades em um mundo perversamente globalizador. Isso porque os estudos
sobre questões ambientais de escala global apontam claramente que, em um quadro
de ampliação da degradação ambiental, são os países pobres os que terão os
efeitos mais negativos relacionados, muitas vezes, a um padrão de consumo e
produção que não estão sob sua responsabilidade.
Segundo dados divulgados
pelo Relatório de Desenvolvimento Humano de 2011, que tem como título Sustentabilidade e Equidade: um
futuro melhor para todos, em uma proposta claramente relacionada à
discussão das questões ambientais globais, os países ricos foram os principais
emissores de gases tóxicos, principalmente o gás carbônico, na atmosfera, porém
o impacto mais significativo em termos de perda de biodiversidade e de produção
de alimentos ocorreu nos países mais pobres.
De acordo com o mesmo
estudo, uma pessoa que viva em um país de IDH muito elevado emite, em
média, quatro vezes mais dióxido de carbono e o dobro de metano e óxido nitroso
do que uma pessoa de um país de IDH médio e trinta vezes mais do que uma pessoa
que more um país de IDH baixo. Essa distorção está ligada as diferenças
socioeconômicas da população e o nível de desenvolvimento desigual do mundo.
Uma última abordagem que
gostaríamos de tratar para finalizar essa amostragem de dados que relacionam a
questão ambiental ao processo de globalização é a questão do consumo e da
produção dos resíduos sólidos.
Segundo o Instituto
Socioambiental (2005) um norte americano médio consome cerca de 300 quilos de
papel por ano, enquanto o indiano médio consome 4 quilos por ano e, em 20
países na África, o consumidor médio consome menos de 1 quilo por ano.
Em relação a produção e
destinação dos resíduos sólidos a questão da desigualdade também é evidente.
Muitos países ricos, como EUA, Japão e Franca, exportam para os países mais
pobres, inclusive até pouco tempo atrás, para o Brasil, o lixo tóxico. A
Alemanha, por exemplo, repassou os seus resíduos tóxicos por muitos anos para a
África e o Leste Europeu. A Polônia, país do Leste Europeu, decidiu devolver,
nos últimos anos, as montanhas de pilhas compostas de substâncias altamente
tóxicas (mercúrio, chumbo, zinco, manganês) para a Alemanha.
A reprodução da desigual
distribuição de bens confirma a tese de muitos cientistas sociais e
ambientalistas, entre eles destacamos Genebaldo Dias (2002), de que a equidade
social e material do sistema capitalista é improvável e insustentável, pois se
toda a população mundial desfrutasse do mesmo padrão de produção e consumo,
exclusivo dos países ricos, que representam cerca de 15% da população,
faltariam recursos naturais e a degradação ambiental seria insuportável.
“Na verdade, se todos os
habitantes da Terra vivessem como a média dos(as) americanos(as) e japoneses(as),
seriam necessários mais três planetas para sustentar a vida humana, pois esses
povos consomem 80% dos recursos naturais” (DIAS, 2002:41).
Para concluirmos, isso
significa dizer que a globalização sem os desequilíbrios sociais, econômicos e
ambientais se apresenta mesmo como fábula e que a perversidade do processo
nos impõe uma necessidade de uma leitura crítica do mundo, inclusive sobre as questões
ambientais que são hoje uma das esferas centrais de discussão e debates da
comunidade acadêmica mundial.
Mas, fica uma última
pergunta: e a terceira forma de ver o mundo globalizante de Milton Santos: o
mundo como ele pode ser? Nas próximas aulas, tentaremos apontar caminhos
possíveis para pensarmos na relação entre as questões ambientais e, quem sabe,
uma outra globalização.
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