Observe
o gráfico abaixo:
Esse gráfico mostra a diferença de potencial
que existe entre um eletrodo mantido na solução que banha o coração
(eletrodo-terra ou de referência) e um microeletrodo. Observe que em A, a
diferença de potencial é de 0 mV. Isto ocorre devido ao fato de que o
microeletrodo está também situado na mesma solução-terra que banha o coração. A
seguir insere-se o microeletrodo em uma célula cardíaca. Observe que agora a
diferença de potencial atinge aproximadamente -90 mV, o qual é o potencial de
repouso. O potencial de ação está representado em C, onde podemos observar uma
resposta característica à excitação da célula. Nessa mesma fase podemos
observar uma fase de despolarização, um platô e uma fase de repolarização.
Fases do
potencial de ação cardíaco
Diferente do
potencial de ação do axônio, o potencial de ação cardíaco possui um platô de
despolarização, o qual determina sua duração (entre 150 a 500 ms). Nesse platô
podem ser distinguidas quatro fases, como ilustra a imagem a seguir:
·
Na fase 0, ocorre a despolarização da célula;
·
Na fase 1, ocorre uma repolarização, porém essa
repolarização é rápida, incompleta e precoce;
·
Na fase 2, observamos o platô, que é responsável
pelo tempo em que a célula permanece despolarizada e seu potencial de ação é
mantido constante;
·
Na fase 3, ocorre a repolarização verdadeira da célula,
momento na qual a célula recupera o nível inicial do potencial de repouso;
·
Na fase 4, ocorre a diástole elétrica. Nessa última fase, as
células cardíacas são capazes de manter um potencial de membrana constante,
exceto as células nodais e as ramos subendocárdicos (fibras de Purkinje).
O potencial de ação do miocárdio é composto por dois componentes que
podem ser separados e cada resposta pode propagar-se de forma isolada. Esses
dois componentes são chamados de rápidos e lentos,
sendo que o componente rápido se assemelha muito ao potencial de ação
encontrado nos nervos. Assim, a sua despolarização depende da entrada de sódio
pelos canais rápidos de sódio. Já os componentes lentos representam a resposta
elétrica características das células do miocárdio. Sua taxa de despolarização é
muito menor quando comparada ao componente rápido e a sua velocidade de
propagação no tecido muscular cardíaco é muito menor.
Quando um pulso despolarizante e supralimiar é aplicado, a condutância
ao sódio aumenta, tornando-se cerca de 30 vezes maior que a condutância do
potássio. Entretanto essa relação não é mantida, uma vez que os canais sofrem
inativação logo em seguida. Durante a fase de platô, a membrana ainda continua
apresentando uma permeabilidade aumentada para os íons Na+, que
penetram nas células através dos canais lentos de Na+. Em relação
aos íons K+, esses têm um comportamento diferente do encontrado nos
nervos. Na célula cardíaca, a condutância dos canais de potássio reduz
temporariamente durante a despolarização. Isso colabora com a célula para a
manutenção da célula despolarizada. No entanto, com o passar do tempo, a
condutância ao potássio retorna ao seu valor de repouso. Nesse momento há um
grande fluxo de saída de potássio, movido tanto pelo gradiente de concentração
como pelo gradiente elétrico. Essa fuga de potássio contribui para tornar a carga
do citoplasma cada vez mais negativa, o que provoca, dessa forma, a
repolarização da célula.
Em relação aos íons Ca++, a membrana celular possui uma baixa
condutância quando em repouso. Entretanto, quando atinge a fase de platô no
potencial de ação, a sua condutância é aumentada, permitindo um fluxo
importante desse íon para dentro da célula.
O ritmo cardíaco é determinado pelas células marca-passo e por
condutoras. Estas células são células do miocárdio modificadas e em conjunto
formam o complexo estimulante do coração. Funcionam como nervos, mas não os
são. Essas células estão localizadas nos nós sinoatrial e atrioventricular, no
fascículo atrioventicular e nos ramos subendocárdicos (fibras de Purkinje).
Doenças Provocadas por Defeitos nos Canais Iônicos
Comentamos
a respeito do fluxo de íons pela membrana através de canais, como, por exemplo,
os canais rápidos de sódio. Esses canais são denominados, de forma geral, de
canais iônicos. Sua estrutura permite a passagem de íons específicos e alterações
em sua estrutura molecular podem levar a conseqüências em diversos níveis,
desde um pequeno mau funcionamento até doenças graves, como, por exemplo, a
fibrose cística. A tabela abaixo lista algumas das principais doenças causadas
por defeitos nos canais iônicos, também chamadas de canalopatias.
Canal Iônico Defeituoso
|
Doença Relacionada
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Canal de sódio
|
-
Síndrome do QT longo (gene LQT2)
-
Miotonia atípica
-
Paramiotonia congênita (doença de Eulenburg)
-
Paralisia periódica hipercalcêmica (doença de Gamstrop)
|
Canal de cloreto
|
-
Miotonia congênita (doença de Thomsen)
-
Miotonia generalizada (doença de Becker)
-
Fibrose cística
|
Canal de potássio
|
-
Síndrome do QT longo (genes LQT1 e LQT3)
|
Canal de cálcio
|
-
Paralisia periódica hipocalcêmica
-
Hipertermia maligna
|
Vamos analisar mais
detalhadamente algumas das doenças listadas acima:
1. Paralisia
periódica hipercalcêmica (PPK).
Essa doença apresenta-se
como uma miotonia não-distrófica. A crise de paralisia está, de forma geral,
associada à ingestão de alimentos ricos em potássio e a esforços físicos.
Assim, a paralisia dos músculos esqueléticos não permite o movimento das pessoas
afetadas quando sobrevém a crise. Um fato importante é que essa doença não
atinge o músculo diafragma e o coração, e, por esse motivo, apresenta uma baixa
taxa de mortalidade entre os portadores.
O canal de sódio
apresenta-se como uma proteína composta por quatro cadeias polipeptídicas que
formam um canal hidrofílico. Esse canal está inserido na membrana plasmática
das células e suas extremidades N-terminal e C-terminal estão localizadas no
interior da célula. Todas as mutações que levam não só a PPK, mas também à
paramiotonia congênita (PMC), foram encontradas no cromossomo 17 q23. Estudos
têm demonstrado que quando a concentração extracelular de potássio está
aumentada, os canais iônicos de sódio têm sua inativação prejudicada em pessoas
com essa patologia. Em pessoas não afetadas pela doença, o pulso de
despolarização, de -70 mV para -30 mV, promove a inativação do canal, tanto em
baixa concentração extracelular de potássio como em alta concentração. Quando
as células portadoras de canais PPK foram submetidas a altas concentrações de
potássio extracelular, o pulso despolarizante de -80 para -30 mV não conseguiu
inativar os canais de sódio. Isso faz com que haja uma despolarização da
membrana das células musculares, o que leva à paralisia.
2. Fibrose
cística
A fibrose cística é
caracterizada pelo aumento do espessamento do muco encontrado nas vias aéreas,
pancreáticas e nos ductos das glândulas sudoríparas. Ela é uma doença
autossômica recessiva onde mais de 300 mutações localizadas no cromossomo 7, já
foram identificadas. Essas mutações são responsáveis por não permitir que a
membrana das células epiteliais transporte de maneira eficiente os íons
cloreto, o que acaba dificultando o transporte de água para a luz dos tubos,
levando a um consequente espessamento do muco. Esse espessamento pode, em
algumas situações, causar obstruções nesses tubos.
3. Paralisia
periódica hipocalcêmica
A paralisia periódica
hipocalcêmica é uma doença genética transmitida hereditariamente, sendo a mais
frequente dentre todas as paralisias periódicas. Ela tem característica
autossômica dominante e está localizada no cromossomo 1 q32. As crises ocorrem
normalmente à noite e os pacientes passam a apresentar fraqueza muscular
generalizada. A região afetada do cromossomo 1 q32 é responsável pela
codificação da sub-unidade α1 do canal de cálcio sensível à voltagem e às
diidropiridinas que são expressas na membrana plasmática. Esse canal α1 é
responsável pela formação do canal hidrofílico através do qual os íons cálcio
passam. Assim, sem a formação desse canal, os íons cálcio (os quais promovem a
contração muscular) não entram na célula, não havendo, portanto, a contração
propriamente dita, o que causa a fraqueza muscular.
4. Hipertemia
maligna
Em humanos essa doença é
transmitida por um gene autossômico dominante. Alguns casos demonstraram o
envolvimento do cromossomo 19q12-13.2. Nessa região é codificada uma proteína
receptora da rianodina e os estudos sobre essa proteína não foram capazes de
distingui-la do canal liberador de cálcio existente no retículo
sarcoplasmático. Outros estudos têm associado a hipertemia maligna à mutações
no lócus localizado no cromossomo 7q, responsável por codificar as sub-unidades
α2 e δ dos canais de cálcio sensíveis às diidropiridinas. Essa é uma doença
potencialmente letal. Sua manifestação ocorre, de forma geral, após o estresse
ou pela inalação de agentes anestésicos gerais. Os portadores dessa doença
apresentam tetania, hipertermia, taquicardia e aumento do metabolismo.
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