Vamos conhecer um pouco a
respeito de uma classe de biomoléculas chamadas lipídeos. Essas biomoléculas
são principalmente caracterizadas pela sua insolubilidade em água. Os lipídeos
são encontrados nos seres vivos em uma diversidade de formas representadas pelo
tamanho da sua cadeia carbônica e pelo número de instaurações (duplas e triplas
ligações entre carbonos). Assim, óleos e gorduras são os principais
responsáveis pelo armazenamento de energia; os fosfolipídios, junto com o colesterol,
são os lipídeos responsáveis pela formação das membranas celulares. Já outros
lipídeos atuam como co-fatores enzimáticos, pigmentos que absorvem luz,
carreadores de elétrons, agentes emulsificantes, hormônios, entre outros.
Vamos dividir nossa aula em
três partes: lipídeos de estoque energético, lipídeos formadores de membranas e
lipídeos sinalizadores, co-fatores e pigmentos.
Lipídeos de estoque
energético
As gorduras e os óleos são
moléculas derivadas dos ácidos graxos al-tamente energéticos sendo que sua
combustão até H2O e CO2, de forma controlada ou não controlada, é altamente
exergônica. Os organismos vi-vos utilizam, quase de modo universal, esse tipo
de biomolécula como fonte de armazenamento de energia. Para compreender o
motivo pelo qual essas moléculas são usadas como forma de armazenamento de
energia, é preciso detalhar sua estrutura molecular, além de nos concentrarmos
em suas características físicas.
Os ácidos graxos são ácidos
carboxílicos (relembre as aulas de química orgânica e as aulas sobre grupos
funcionais em bioquímica) que contêm de quatro a trinta e seis átomos de
carbono em sua estrutura. Algumas cadeias desses ácidos podem conter
insaturações (duplas e/ou triplas ligações), ou mesmo aparecerem totalmente
saturadas. A nomenclatura dessas moléculas é feita de forma simples e os nomes
usuais são dados, de forma geral, de acordo com o material onde foram
encontradas e isoladas pela primeira vez. Por exemplo, o ácido palmítico (16
átomos de carbono e nenhuma ligação dupla ou tripla) é abreviado como 16:0.
Quando existem insaturações, as suas posições são especificadas com números
sobrescritos após o símbolo . Assim, um ácido graxo que contenha 22 átomos de
carbono e duas ligações duplas, uma entre C-2 e C-3 e outra entra C-17 e C-18 é
representado assim: 22:2 (Δ2,17).
As características físicas
das moléculas dos ácidos graxos decorrem do comprimento da sua cadeia carbônica
e do grau de insaturação que elas apresentam. O grupo ácido carboxílico (polar
e ionizado em pH neutro) contribui para a pouca solubilidade que certas
moléculas apresentam. A imagem abaixo mostra a estrutura espacial de alguns
ácidos graxos bem estudados:
Em vertebrados, células
especializadas no armazenamento de gordura (adi-pócitos) estocam ácidos graxos
em sua forma mais simples – o triacilgli-cerol. Essas células contêm enzimas
especiais, as lipases, que catalisam a hidrólise dessas moléculas e produzem
ácidos graxos de exportação para locais onde serão utilizados como combustível.
Os triacilgliceróis são mais
energéticos do que os carboidratos. A queima total de 1g de carboidrato fornece
cerca de 4 kcal enquanto a queima total de 1g de triacilglicerol fornece
aproximadamente 9 kcal. Assim, por que os ácidos graxos são usados como
armazenamento de energia e os carboidratos são usados como combustível de forma
direta? Não seria mais rentável queimar os ácidos graxos e armazenar os
carboidratos? Essas questões são respondidas pelas características químicas dos
ácidos graxos. Como eles são insolúveis, tendem a se agrupar por interações
hidrofóbicas mantendo-se afastados das moléculas de água. Já os carboidratos
são solúveis em água, o que faz com que reajam rapidamente nos processos de
respiração celular. Entretanto, os ácidos graxos sofrem reações de oxidação que
liberam moléculas menores (com dois carbonos) e que participam do processo de
síntese de ATP. Essas reações são conhecidas como β-oxidação e serão discutidas
em aulas posteriores.
O uso de óleos pelos seres
vivos não fica apenas na esfera energética. As aves produzem um óleo em uma
glândula próxima a sua cauda, a glândula uropigeana. Com o bico elas espalham
esse óleo pelas penas, impermeabilizando-as, o que é de fundamental importância
para o vôo.
Lipídeos de membrana
As membranas celulares são
compostas por um tipo especial de lipídeo, conhecidos de forma geral como
fosfolipídios. Entretanto, encontramos outros tipos de lipídeos formando as
membranas celulares, como os gli-cerofosfolipídeos (ou fosfoglicerídeos) e os
esfingolipídeos. A principal característica dessas moléculas é que elas são
anfipáticas, ou seja, são ao mesmo tempo hidrofílicas e hidrofóbicas.
A imagem mostra uma região
hidrofílica (círculo vermelho) e duas caudas hidrofóbicas. As caudas são
compostas por um esqueleto lipídico, que confere a hidrofobicidade à molécula.
Nesse esqueleto, quanto maior o grau de insaturação, maior será a
permeabilidade da membrana, uma vez que as insaturações “deslocam” o eixo do
esqueleto carbônico, o que afasta as moléculas de fosfolipídeos.
A tabela abaixo mostra
alguns fosfoglicerídeos. Novamente, não é necessário “decorar” a estrutura de
cada molécula, mas atentar para os grupos funcionais que dão as características
é fundamental.
Cardiolipina
Outro tipo de lipídeo
encontrado nas membranas celulares é o esfingolipídeos, como já mencionado
acima. A sua estrutura molecular é representada na imagem a seguir:
Lipídeos sinalizadores,
co-fatores e pigmentos
Até o momento, nós estudamos
os lipídios como moléculas passivas. Longe disso, os lipídeos têm um papel
ativo nas células e tecidos, atuando como sinalizadores químicos, co-fatores
enzimáticos, pigmentos e como precursores de vitaminas.
Um dos responsáveis por
atuar como sinalizador intracelular é o fosfatidi-linositol. A sua forma
4,5-bisfosfato atua como um sítio de ligação para muitas estruturas do
citoesqueleto na face interna da membrana celular. Os seus derivados
fosforilados e o próprio fosfatidilinositol atuam em diversos níveis de
regulação do metabolismo e estrutura celular.
Os eicosanóides são
hormônios parácrinos, ou seja, atuam próximos ao seu local de produção. Um
exemplo são as prostaglandinas, as quais foram identificadas pela primeira vez
na próstata (o que explica o seu nome). Esse tipo de eicosanóide atua em vários
tecidos a fim de regular a síntese de cAMP (adenosina monofosfato cíclica).
Como o cAMP medeia uma diversidade de ações hormonais, as prostaglandinas
desempenham diversos papéis nas funções celulares e teciduais.
Muitos hormônios têm origem
lipídica - entre eles os hormônios sexuais. Veja a estrutura de alguns deles a
seguir:
As vitaminas A e D são
precursores de muitos hormônios. A vitamina A atua também como pigmento visual,
e sua deficiência apresenta como principais sintomas a xeroftalmia
(ressecamento dos olhos) e cegueira noturna. A vitamina D3, também chamada de
colecalciferol, é sintetizada na pele pela reação fotoquímica dos raios
ultravioletas na forma de 7-dehidro-xicolesterol. No fígado e nos rins, enzimas
específicas transformam essa molécula em 1,25-dihidroxicolecalciferol, que é um
dos hormônios que regulam a concentração de cálcio no organismo.
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