A evolução do sistema circulatório e sua complexidade (Pequenos aos grandes animais)

A evolução do sistema circulatório dos pequenos aos grandes animais

A circulação é um sistema utilizado para transportar os elementos necessários à manutenção das células. Nesta unidade identificaremos as principais diferenças do processo evolutivo no sistema circulatório entre os diferentes animais (invertebrados e vertebrados).



O processo de difusão é eficiente para a manutenção do metabolismo celular em pequenos animais (1 mm ou menos de diâmetro). No entanto, animais de maior porte necessitam de um sistema de transporte que mantenha as taxas metabólicas de todos os tecidos do corpo.
Desse modo, o sistema circulatório transporta gases respiratórios (O2 e CO2), nutrientes, resíduos metabólicos, hormônios, células que participam da defesa do organismo, anticorpos, entre outros. O sistema circulatório atua ainda na remoção de substâncias tóxicas e patógenos do corpo, apresenta importante papel na regulação térmica e na transmissão de força. A transmissão de força é utilizada nos vertebrados para a manutenção da pressão dos vasos renais durante o processo de ultrafiltração, nos anelídeos possibilita o seu transporte, nas aranhas a extensão das patas, assim como a evacuação e a expansão das asas nos insetos.
A circulação ocorre com um fluido circulante (sangue ou hemolinfa), um sistema de vasos (artérias, veias  e capilares) que conduz esse fluido e uma bomba constituída por um tecido muscular (coração) que o impulsiona. Este sistema pode ser encontrado como um sistema de vasos abertos (incompleto) ou fechados (completo).
Muitos invertebrados como os insetos, grande parte dos artrópodes, crustáceos, moluscos não cefalópodos e tunicados podem apresentar sistema circulatório aberto. Nesse sistema, o sangue é bombeado do coração para o interior dos vasos sanguíneos, mas como estes se encontram interrompidos, o fluido segue livre para o hemocelo (que fica entre o ectoderma e o enderma) e posteriormente retorna para o coração. O hemocelo pode representar até 40 % do volume do corpo de um animal.



O fluido contido no hemocelo é denominado de hemolinfa, o qual banha o tecido sem circular dentro dos capilares que o envolvem. Este sistema possui baixa resistência periférica nos vasos e a pressão sanguínea não excede a 10 mmHg. Apesar de não haver ductos fechados para conduzir o sangue, o seu transporte para os órgãos é semelhante ao transporte do sistema circulatório fechado. A regulação da pressão do sangue nos órgãos é baixa e o seu retorno para o coração ocorre lentamente. Os animais com circulação aberta possuem pouca capacidade de alterar a velocidade de distribuição do fluxo sanguíneo, por isso, são poucas as mudanças na atividade metabólica relacionada ao consumo de O2.
Para exemplo do sistema de circulação aberta será descrito de maneira sucinta o sistema circulatório dos insetos. De modo geral, os insetos apresentam um vaso sanguíneo principal que se estende ao longo do lado dorsal. A parte posterior desse vaso impulsiona o sangue funcionando como um “coração”, no qual há uma série de aberturas com válvulas para onde o sangue pode entrar.
A parte anterior do vaso sanguíneo, que poderia ser chamada de “aorta”, é contrátil e pode apresentar ondas peristálticas que impulsionam o sangue na direção anterior. O vaso sanguíneo ramifica-se e continua seguindo em direção à cabeça, onde seu percurso é finalizado. As ramificações da aorta suprem a maior parte do corpo e o sangue flui livremente entre os tecidos, com retorno lento para o coração.
Em alguns insetos, membranas longitudinais podem direcionar o fluxo sanguíneo entre os tecidos. O coração e vaso dorsal são os principais componentes do sistema circulatório dos insetos, porém muitos também possuem corações acessórios, que funcionam como bomba para impulsionar a circulação nos apêndices (asas, pernas e antenas). Diferente dos demais animais, o sistema circulatório dos insetos não participa no transporte dos gases respiratórios, o que é realizado pelas traqueias.  
O sistema circulatório dos tunicados é um exemplo diferenciado da circulação aberta. O coração é em forma de tubo e não possui válvulas, seu bombeamento é realizado por ondas peristálticas transmitidas de uma extremidade a outra do tubo. Após uma série de contrações, as ondas se tornam mais lentas e cessam. Com a pausa, a direção da batida é invertida, conduzindo o fluxo sanguíneo em direção oposta. Desse modo, o bombeamento do sangue nos tunicados é bidirecional, sendo unidirecional nos demais invertebrados.
O sistema de circulação fechada é encontrado em todos os vertebrados e alguns invertebrados como os cefalópodes (polvo). Neste sistema, o sangue flui em um contínuo circuito de tubos pelo qual é conduzido do coração para todas as partes do corpo por intermédio das artérias, arteríolas e capilares retornando para o coração, pelas vênulas e veias (sem deixar o sistema).
O coração é o principal órgão de propulsão do sangue para o sistema arterial e as artérias funcionam como um reservatório que, por sua vez, impulsionam o sangue para os capilares. As paredes dos capilares são finas, possibilitando a transferência do material entre o sangue e o tecido por difusão, transporte ou filtração. O volume do sangue na circulação fechada é cerca até 10 % do volume total do corpo, volume menor que o observado na circulação aberta.
Este é um sistema de alta pressão, que requer grande resistência periférica das artérias e paredes elásticas resistentes. Neste contexto, a distribuição do sangue para os órgãos é bem regulada, com rápido retorno para o coração. Este sistema permite rápida distribuição do O2, no qual o volume de líquido bombeado pelo coração pode ser regulado com o aumento da frequência da bomba cardíaca, aumento do volume sistólico ou por uma combinação entre ambos.

A complexidade da circulação nos vertebrados

À medida que a complexidade dos animais foi aumentando, houve a necessidade de um sistema circulatório mais elaborado, que pudesse acompanhar as mudanças metabólicas.
A passagem do ambiente aquático para o terrestre foi um marco importante para os diferentes grupos de vertebrados. Vamos conhecer as principais alterações do sistema circulatório dos vertebrados decorrentes deste processo.
O sistema circulatório é o primeiro sistema nos vertebrados a se tornar funcional durante a formação do embrião, possivelmente devido à necessidade de um transporte rápido dos nutrientes e gases e da eliminação eficiente das excretas metabólicas, possibilitando uma divisão celular eficaz e o rápido desenvolvimento do corpo.
O sistema circulatório dos vertebrados quanto à sua organização e estrutura varia, dependendo, principalmente, do modo de respiração. Os peixes e os mamíferos representam os dois extremos na circulação, por isso, alterações significativas no sistema circulatório foram observadas quando os vertebrados passaram da vida aquática para a terrestre. Uma separação gradual do coração é verificada à medida que vai ocorrendo a transição para o meio terrestre bem como alteração no fluxo sanguíneo que, nos mamíferos, passa a apresentar separação entre a circulação sistêmica e pulmonar, estabelecendo, assim, mudanças na pressão sanguínea.
O coração ancestral dos vertebrados é descrito como uma bomba de circuito unidirecional, que nos anfioxos pode ser observado somente como um vaso contrátil localizado na mesma posição no qual desenvolveu o coração dos vertebrados (Fig. 2A). Apesar de o coração dos ciclóstomos e o dos peixes apresentarem pouca variação em relação ao padrão ancestral, estes diferem estruturalmente.
O sistema circulatório dos ciclóstomos ainda é parcialmente aberto, com grandes seios sanguíneos, um coração branquial e corações acessórios localizados no sistema venoso.
O coração branquial possui um seio venoso que recebe sangue pobre em O2 da veia jugular (anterior) e posterior da veia cardinal. O sangue segue do seio venoso em direção ao átrio e em seguida para o ventrículo, através do canal atrioventricular. Do ventrículo, o sangue flui ao longo da aorta ventral em direção as brânquias (onde é oxigenado) pelo qual segue para o restante do corpo. O retorno do sangue venoso para o coração é auxiliado pelos corações acessórios (coração porta, corações cardinais, corações caudais).
O coração dos peixes teleósteos e elasmobrânquios (Fig. 2B) é composto por um átrio e um ventrículo. No lado venoso ele é precedido pelo seio venoso, e no lado arterial pelo cone arterial (elasmobrânquios) ou bulbo arterial (teleósteos). O seio venoso assegura um fluxo contínuo para o coração. Desse modo, o sangue pobre em O2 retorna ao coração pela veia cardinal anterior, posterior e veia hepática, desembocando no seio venoso.
O fluxo sanguíneo é bombeado para o átrio, ventrículo e cone arterial seguindo para a aorta ventral em direção às brânquias, para efetuar as trocas gasosas. O cone arterial possui válvulas que evitam o retorno do sangue para o interior do ventrículo, impedindo a formação de pressão negativa. A propriedade elástica do bulbo nos teleósteos serve para manter um fluxo sanguíneo na aorta ventral, durante o período diastólico do batimento sanguíneo.
Como visto na unidade anterior, os peixes pulmonados desenvolveram um pulmão para a captação do O2 do ar. Morfologicamente, o coração destes animais assemelha-se ao coração dos vertebrados terrestres (Fig. 2C). O átrio é dividido em duas câmaras com divisão parcial do ventrículo. Desse modo, o fluxo sanguíneo que vem dos pulmões volta para o átrio esquerdo e o átrio direito recebe sangue da circulação geral.
A divisão parcial dos ventrículos possibilita a separação das duas correntes sanguíneas (oxigenada e desoxigenada). O sangue oxigenado flui para o interior dos dois primeiros arcos branquiais, suprindo a cabeça com sangue mais oxigenado. O sangue menos oxigenado, do lado direito do coração, flui através dos arcos branquiais posteriores, passando para a aorta dorsal e em parte para os pulmões.
Os peixes pulmonados representam o início da separação entre a circulação pulmonar e sistêmica. Neste grupo, as brânquias sofreram degeneração onde alguns arcos branquiais possibilitam fluxo direto do sangue através deles. Neste caso as brânquias não são utilizadas para a captação do O2, mas para a liberação de CO2.
Nos anfíbios, o coração das rãs, sapos e salamandras apresentam dois átrios completamente separados e um ventrículo (Fig. 2C). O átrio esquerdo recebe sangue oxigenado dos pulmões e o átrio direito recebe sangue venoso da circulação sistêmica geral. Apesar do ventrículo não ser dividido, a mistura entre o sangue oxigenado e desoxigenado é pequena, por causa da separação das correntes gerada pela válvula espiral, estrutura anatômica presente no cone arterial. A artéria pulmonar também envia ramificações para a pele, o que é importante para a respiração cutânea.
Nos répteis não-crocodilianos, os átrios são completamente separados, mas há uma divisão parcial dos ventrículos. Mesmo assim, o sangue oxigenado não se mistura com o sangue pobre em O2 por causa da circulação dupla bem desenvolvida.
A divisão incompleta do ventrículo nos anfíbios e répteis não-crocodilianos apresenta uma vantagem funcional em condições de apnéia, durante o mergulho, o sangue oxigenado pode misturar-se com o desoxigenado. Nessa condição, os estoques de O2 do pulmão podem tornar-se depletados, não havendo necessidade de manter o fluxo sanguíneo para o órgão. 
Já os répteis crocodilianos possuem câmaras cardíacas completamente divididas, mas com o forâme de Panizza conectando os dois arcos aórticos. Durante o mergulho, a maior parte do fluxo sanguíneo que entra no ventrículo direito é direcionada para o ventrículo esquerdo, reduzindo o fluxo de sangue que vai para os pulmões.
Nas aves e mamíferos, a separação entre o sangue oxigenado e desoxigenado é completa, com o coração constituído por dois átrios e dois ventrículos. Essa separação finalmente divide a distribuição do sangue em duas etapas: a circulação pulmonar ou pequena circulação (lado esquerdo do coração ejeta sangue para o pulmão), e a circulação sistêmica ou grande circulação (lado direito do coração ejeta sangue para o corpo).
Com essa separação foi possível reduzir a pressão sanguínea na circulação pulmonar, favorecendo as trocas gasosas no pulmão. Por outro lado, a pressão sanguínea na circulação sistêmica pode ser aumentada, permitindo um rápido deslocamento do fluxo para o corpo.

Uma diferença importante na circulação entre aves e mamíferos está relacionada com a posição do arco aórtico. Os mamíferos possuem o arco aórtico voltado para o lado esquerdo do corpo (Fig. 2D), enquanto nas aves, este está no lado direito. Nos vertebrados submamíferos, os rins recebem o sangue venoso da parte posterior do corpo (circulação porta renal), o que é mantido nas aves, mas está ausente nos mamíferos.

Figura 2. Esquema anatômico de um coração hipotético do ancestral dos vertebrados (A), coração representativo do grupo dos peixes teleósteos (salmão) e elasmobrânquios (tubarão azul) (B); corações dos peixes pulmonados (Dipnoi) e anfíbios (Anura) (C) e coração humano (D) (Hildrebrand & Goslow, 2006). A seta escura representa o sangue desoxigenado e a seta clara o sangue oxigenado.


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