Mecanismos de regulação osmótica e Evolução dos mecanismos utilizados para a excreção hídrica

Mecanismos de regulação osmótica


A manutenção da integridade celular ocorre por intermédio da regulação de limites muitos estreitos dos fluidos corpóreos. Os íons cálcio, sódio, potássio e cloro precisam ser mantidos em concentrações adequadas para o funcionamento celular. A água é o elemento mais abundante do corpo e a sua distribuição nos espaços intra e extracelulares estão relacionados à distribuição dos íons nos diferentes compartimentos. No entanto, o maior problema para a regulação osmótica é a interferência do ambiente. Nesta aula, entenderemos a importância da manutenção do equilíbrio osmótico e quais as implicações do ambiente na regulação dos fluidos internos.
O conceito da estabilidade do meio interno (milieu intérieur) foi introduzido no século XIX por Claude Bernard. Mas a definição de homeostase como a transferência de energia e massa por meio de um mecanismo de retroalimentação foi introduzida por Walter Cannom, somente um século depois.
A manutenção do equilíbrio interno ou homeostasia está relacionada ao constante controle dos líquidos e solutos entre os diversos compartimentos do corpo (intracelular e extracelular). As membranas delimitam o compartimento celular, formando uma barreira seletiva aos íons e, assim, controlando o seu volume. No entanto, um fator de relevância na manutenção do equilíbrio interno dos fluidos corpóreos é a interferência do meio no qual o animal habita.
Para contornar o problema, muitos animais reduziram sua permeabilidade aos íons e/ou diminuíram a diferença de concentração entre os seus fluidos corpóreos e o ambiente; mesmo assim, os animais podem perder íons por difusão. Neste caso, a conservação das condições internas ocorrerá somente se um fluxo iônico contrário à perda por difusão for gerado, ocasionando gasto de energia.
Os processos utilizados para a manutenção das concentrações internas de cada espécie variam, principalmente, em relação ao seu habitat (água salgada, água salobra, água doce e ambiente terrestre). Desse modo, os animais de habitat aquático sofrem influência direta das oscilações do meio ambiente, sendo estes classificados como osmoconformadores e osmorreguladores.
Os animais osmoconformadores mantêm sua concentração osmótica interna igual ao do meio em que se encontram, diferente dos animais osmorreguladores que mantêm suas concentrações internas constante, independentes das oscilações do ambiente.
Quando comparado às concentrações internas dos animais aquáticos em relação ao meio, estes ainda podem ser classificados como isosmóticos, hiperosmóticos ou hiposmótico. Animais isosmóticos apresentam concentração interna igual ao ambiente, e não possuem problemas para manter o balanço hídrico (peixe-bruxa e elasmobrânquios).
Por outro lado, os tubarões e as raias (elasmobrânquios marinhos) se mantêm isosmóticos em relação à água do mar porque concentram compostos orgânicos nos seus fluidos corpóreos, como a uréia.
No entanto, as lampreias e os peixes teleósteos que habitam águas marinhas são hiposmóticos. Estes animais vivem sobre a eminência constante de perder água porque os seus fluidos corpóreos (300 mOsm/L) são três vezes mais diluídos que a água do mar (1000 mOsm/L). Quando esses animais ingerem água do mar, o sal também é ingerido e absorvido pelo trato intestinal.
Por isso, para conseguir um ganho de água pela ingestão da água do mar, o animal precisa excretar uma quantidade de sal superior ao que foi ingerido. Como os rins dos teleósteos não produzem urina mais concentrada que o sangue, as brânquias acabam excretando o excesso do sal, de forma ativa, para fora do corpo.
Por outro lado, quando a concentração osmótica dos fluidos corpóreos é maior que o meio, este animal é denominado de hiperosmóticos. Nesse caso, o animal precisa conter a água que tende a entrar para o corpo, devido à alta concentração interna de solutos e, ao mesmo tempo, impedir a perda de solutos do corpo. Nos peixes teleósteos de água doce a concentração dos fluidos corpóreos é de 300 mOsm/L enquanto a concentração da água é de  10 mOsm/L.
O controle hídrico é realizado por meio da eliminação de uma urina bastante diluída. A perda de íons pela urina é pequena, mas nesta condição se torna significativa. A perda dos íons é resolvida pela reposição através da alimentação e captação ativa realizada pelas brânquias.
O mecanismo de regulação osmótica dos anfíbios aquáticos é semelhante a dos peixes teleósteos. Os anfíbios basicamente vivem em ambiente de água doce e na fase adulta sua pele é o principal órgão osmorregulador. Quando o animal está na água, o influxo osmótico é controlado com a excreção de uma urina altamente diluída. Nesses animais, a perda de sal pela urina é compensada pela captação ativa de sal, o que ocorre através da pele.
Nos vertebrados marinhos pulmonados o problema osmótico devido ao contato íntimo da água do mar sobre a superfície branquial não existe. No entanto, a ingestão de sais pela água e alimento é um problema que precisa ser contornado. As focas e baleias, por exemplo, solucionaram o problema eliminando urina mais concentrada que a água do mar.
Nos répteis marinhos o excesso de sal é excretado pelas glândulas de sal que estão localizadas na cabeça dos animais. A localização das glândulas varia muito nos répteis, pois nos lagartos a glândula é nasal, na tartaruga é orbital, nas cobras marinhas é sublingual, e nos crocodilianos há um grande número de pequenas glândulas sobre a superfície da língua. Glândulas secretoras de sal também são encontradas nas aves marinhas. As glândulas de sal nasal são pareadas e localizam-se com frequência no topo do crânio, acima da órbita de cada olho, elas secretam em resposta a uma carga osmótica gerada pela ingestão excessiva de sal.
Os vertebrados terrestres não precisam regular a concentração dos fluidos corpóreos com o meio, como fazem os animais aquáticos. Em contrapartida o maior problema desses animais está em controlar a temperatura do corpo, evitando a perda excessiva de água pela evaporação. Deve-se considerar ainda que a água, nesses animais, também é utilizada na formação da urina.
Os anfíbios terrestres adultos contornam o problema da evaporação vivendo em ambientes mais úmidos, próximos às águas. Já os répteis passaram a excretar ureia, que é pouco solúvel em água, reduzindo a perda de água corpórea.

Evolução dos mecanismos utilizados para a excreção hídrica


Eliminar os produtos do metabolismo celular por meio do trabalho dos órgãos excretores permite a manutenção adequada das concentrações dos solutos e do volume corpóreo, além de eliminar substâncias que em maiores concentrações podem ser tóxicas ao organismo. Nesta aula, conheceremos as diferentes estruturas anatômicas utilizadas para realizar o processo de excreção.
As estruturas que regulam o equilíbrio do meio interno utilizam-se basicamente dois processos para a formação do fluido excretado: a ultrafiltração e o transporte ativo. O processo de ultrafiltração está relacionado com a pressão do fluido (sangue) sobre uma membrana semipermeável que retém moléculas com massa molecular geralmente acima de 70 kDa (quilodalton), pelo qual permite a passagem de água e solutos como sais, açúcares e aminoácidos. O material que passa pela membrana semipermeável é denominado de filtrado e, ao longo do órgão excretor, os solutos desse material serão ativamente reabsorvidos.
A eliminação da excreta ocorre quando o transporte é realizado do animal para a luz do órgão ou organela excretora (secreção ativa). Por outro lado, se o transporte for realizado em sentido oposto, da luz do órgão para o animal (reabsorção ativa), este material será reabsorvido do filtrado. Porém, a estruturação e a organização dos órgãos excretores aumentam conforme a  complexidade dos organismos. Segue abaixo uma breve descrição dos diferentes órgãos excretores.
Os celenterados e equinodermos são os únicos organismos que não apresentam órgãos excretores específicos. A eliminação das excretas é realizada por difusão simples. Entretanto, nos demais organismos (vertebrados e invertebrados) existe uma quantidade variada de estruturas que diferem anatomicamente e funcionalmente para eliminar, principalmente, os produtos nitrogenados e o excesso hídrico.
Nos protozoários e esponjas de água doce a estrutura excretora é o vacúolo contrátil. Nesses organismos, o influxo de água é elevado, o excesso é acumulado nos vacúolos que descarregam o líquido continuamente para o meio.
Os platelmintos e asquelmintos possuem protonefrídio que são estruturas tubulares onde as extremidades, que terminam em fundo cego, são ligadas a uma célula ciliada. Se houver somente um cílio a célula terminal é denominada solenócito, se os cílios que se projetam na luz do órgão forem numerosos esta estrutura é denominada de célula flama. As células absorvem água e excretas dos espaços extracelulares e o movimento dos cílios impulsiona a solução através da rede de tubos até a superfície do corpo.
Os anelídeos possuem metanefrídio que funciona como um rim de filtração/reabsorção. Esta estrutura excretora difere dos protonefrídios por apresentarem tubos abertos nas duas extremidades e ausência da célula flama. Em uma das extremidades o metanefrídio forma a nefróstoma, um funil ciliado que se abre na cavidade celômica e drena o fluido circulante.
Já na outra extremidade o tubo se abre para a superfície do corpo como um poro excretor, o nefridioporo, que elimina as excretas. Os túbulos são circundados pelos vasos sanguíneos no qual as excretas também são removidas.
Os moluscos apresentam nefrídios, o fluido inicial é formado por meio do processo de filtração do sangue e, em seguida, pela reabsorção seletiva e secreção ativa de substâncias que são adicionadas na urina.
Os crustáceos eliminam os produtos do seu metabolismo através de duas glândulas que se abrem na base das antenas, as glândulas antenais. Nas aranhas as glândulas excretoras estão na base das pernas (glândulas coxais). No entanto, algumas aranhas e insetos eliminam as excretas pelos túbulos de Malpighi. Neste sistema não há ultrafiltração inicial, somente secreção primária do potássio dos túbulos, acompanhada pelo do movimento passivo de água. A água, assim como o soluto é reabsorvido durante a sua passagem pelo intestino posterior e complexo retal. As substâncias excretadas consistem basicamente de cristais sólidos de ácido úrico.
rim dos vertebrados (peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos) funciona sob o princípio de filtração/reabsorção com a adição de secreções tubulares. Qualquer substância filtrada é mantida  na urina até que seja reabsorvida. Essa é uma vantagem importante para os animais que excretam utilizando rim de filtração. Neste processo, o organismo pode secretar substâncias novas sem precisar de mecanismos específicos para a sua eliminação, o que amplia a cadeia alimentar das espécies, dando condições para novos ambientes serem explorados.
Os vertebrados são capazes de produzir urina isotônica ou hipotônica em relação ao sangue.  Os vertebrados que vivem em água doce excretam urina diluída para eliminar água e conservar soluto; no entanto, para os vertebrados marinhos, principalmente para os osmorreguladores hiposmóticos, excretar uma urina diluída acarretaria em um sério desequilíbrio hídrico. As aves e mamíferos, por sua vez, são os únicos animais que produzem urina mais concentrada que os fluidos corpóreos.

O rim é o órgão excretor mais desenvolvido para eliminar as excretas metabólicas, no entanto, outros órgãos podem auxiliar na manutenção do equilíbrio osmótico, na eliminação do excesso de sal, como as brânquias (crustáceos, peixes), glândulas retais (elasmobrânquios), glândulas de sal (répteis, aves), fígado (vertebrados) e intestino (insetos).

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