Sangue é
um termo utilizado para denominar o tecido fluido que circula dentro do sistema
circulatório. Além de transportar os gases e demais elementos utilizados pelas
células, o sangue também conduz os anticorpos que respondem pela defesa
imediata contra os corpos estranhos. É constituído de uma parte líquida
denominada de plasma que representa 65 % do total do tecido e uma parte sólida
constituída por diferentes tipos celulares (45 %). Nesta aula, aprenderemos
sobre a porção celular do tecido sanguíneo.
As
células que compõe o tecido sanguíneo são originadas de células-tronco
localizadas na medula óssea, sendo basicamente separadas em três grupos:
glóbulos vermelhos, eritrócitos ou hemácias; leucócitos ou glóbulos brancos,
trombócitos (submamíferos) ou plaquetas (mamíferos).
Os
eritrócitos possuem papel significativo no transporte dos gases. Dentro destas
células está armazenada a hemoglobina, um pigmento respiratório com importante
papel na manutenção do equilíbrio ácido-base do corpo. Nos peixes, anfíbios,
répteis e aves, os eritrócitos são nucleados, ovais ou elípticos, constituídos
por uma banda marginal de microtúbulos que circunda a célula e um citoesqueleto
de membrana que estabelece maior resistência celular (Campbell, 1991). Os
eritrócitos dos peixes podem ser considerados o protótipo das células que são
distribuídos ao longo dos vertebrados submamíferos (Glomski et al., 1992).
Nos
mamíferos, os eritrócitos apresentam avanço evolutivo que culminou na perda do
núcleo, com diminuição do volume celular e aumento do número de células
circulantes, proporcionando maior área de membrana eritrocitária para as trocas
gasosas. Os mamíferos possuem eritrócitos redondos e anucleados, com exceção
dos membros da família dos camelos, cujos eritrócitos são ovais ou elípticos
(Campbell, 1991).
Existe
uma variação interespecífica em relação ao número e tamanho dos eritrócitos,
indicando que quanto maior o número de células circulantes menor é o seu
tamanho. Eritrócitos grandes parecem ser características de células mais
primitivas (Jain, 1986). Estas células são capazes de sofrer deformidades
sucessivas e retornar à forma normal, o que é extremamente importante para que
desempenhem sua função no transporte do oxigênio. (Nikinmaa, 1990; Mohandas and
Chassis, 1993)
A produção
dos eritrócitos é regulada pela eritropoietina, secretada principalmente pelos
rins, cuja função é acelerar a diferenciação celular, diminuindo o tempo para a
maturação da célula na medula óssea.
Outros
componentes da hemopoiese são os leucócitos ou glóbulos brancos que formam um
grupo heterogêneo de células que constituem o sistema imune ou sistema de
defesa do organismo. Cada tipo de célula branca tem uma função mais ou menos
específica na defesa do organismo, dependendo do tipo do agente agressor (bactéria,
vírus, grandes parasitas extracelulares, agentes químicos, etc.). Em humanos
adultos, os leucócitos totais estão numa concentração aproximada de 5.000 a
10.000/mm3, o que corresponde a 2 % das células circulantes.
Os cinco
tipos celulares que correspondem aos leucócitos são os neutrófilos,
eosinófilos, basófilos, monócitos e linfócitos. Os
neutrófilos, eosinófilos e basófilos são células grandes, com núcleo dividido
em dois ou mais lóbulos e com granulação citoplasmática que os caracteriza como
células granulocíticas. As três células são diferenciadas morfologicamente pelo
tamanho dos grânulos citoplasmáticos e sua coloração. Os monócitos e linfócitos
são células com núcleo central não lobadas e com ausência de grânulos
citoplasmáticos.
Os
granulócitos polimorfonucleares e monócitos são células migratórias que atuam
defendendo o organismo contra a invasão de corpos estranhos. As enzimas
citoplasmáticas (lisozimas) dessas células são capazes de digerir bactérias,
vírus, parasitas, fungos, dentre outros.
Quando os
leucócitos migratórios como os neutrófilos e monócitos alcançam substâncias
estranhas englobam-nas por um processo denominado de fagocitose; nesse momento
formam fagossoma com a partícula englobada que, ao fundir-se com os lisossomas
encontrados no citoplasma, forma o fagolisossoma, no qual as partículas serão
destruídas pela ação das enzimas e metabólitos gerados no fagossoma, via
NADPH-oxidase (nicotinamida adenina dinucleótideo fosfato), tais como íon
superóxido, peróxido de hidrogênio e radical hidroxil.
O tempo
de vida dos granulócitos na corrente sanguínea é de 4 a 8 horas e de 4 a 5 dias
após migrarem para os tecidos. Em condições de infecção esse tempo é reduzido
ao necessário para a célula chegar até o local infectado e executar suas funções
de fagocitose, sendo destruídos em seguida pela ação das suas próprias enzimas.
Os
neutrófilos podem reconhecer e destruir agentes nocivos até mesmo no sangue. Os
eosinófilos representam 2 a 3% de todos os leucócitos circulantes e são
recrutados, principalmente, em situações alérgicas e parasitárias. Os basófilos
atuam liberando heparina no sangue, substância inibidora da
coagulação.
A meia
vida dos monócitos na corrente sanguínea é de 10 a 12 horas até que estes
migrem para os tecidos. Nos tecidos, os monócitos se diferenciam em células
maduras com condições de realizar a fagocitose. Eles aumentam consideravelmente
de tamanho e diferenciam-se em macrófagos teciduais com características
morfológicas de acordo com a função que o órgão desempenha. Nessa condição,
esta célula pode viver até 6 meses, onde são responsáveis pela homeostasia
tecidual.
Os
linfócitos podem apresentar um tempo de vida entre meses a anos, dependendo da
necessidade do organismo em ativar estas células. Eles passam para o sistema
circulatório de modo contínuo, junto com o sistema linfático responsável pela
drenagem dos linfonodos. Estas células circulam entre o sistema sanguíneo e o
sistema linfático, passando pelos tecidos continuamente. Dois tipos de
linfócitos proporcionam a imunidade mediada pelas células e a imunidade
humoral, são os linfócitos T e B, consecutivamente. Os linfócitos são
produzidos na medula e as células destinadas à formação de linfócitos ativados
(linfócitos T) seguem da medula para o timo, onde serão processados. Essa
maturação ocorre somente durante a vida fetal e alguns meses após o nascimento.
A outra
população destinada à formação dos linfócitos B é pré-processada durante a vida
fetal pelo fígado e, posteriormente, pela medula óssea. Após serem processados,
os linfócitos T e B são armazenados nos linfonodos, até serem recrutados para a
defesa do organismo.
Existe um
grupo de linfócitos T chamados de supressores que atuam no controle da resposta
imune e podem ser CD4 e CD8 positivos. Os linfócitos T auxiliadores ou célula
CD4 estimulam os linfócitos T citotóxicos com capacidade de destruir outras
células que são reconhecidas como estranhas.
Existe
também outro grupo de linfócitos chamados de natural killer (NK)
que reconhecem e matam células infectadas e células tumorais. A AIDS (Síndrome
da deficiência adquirida) é uma doença extremamente agressiva porque o vírus
HIV inviabiliza os linfócitos T auxiliadores e impedem a ativação dos demais
linfócitos. Com isso, a pessoa infectada fica vulnerável a todos os tipos de
infecções.
Os
trombócitos são células nucleadas, pequenas e fusiformes. São observados em
todos os vertebrados com exceção dos mamíferos, que possuem plaquetas. As
plaquetas são fragmentos citoplasmáticos dos megacariócitos originados na
medula óssea. Tanto os trombócitos quanto as plaquetas possuem importante
função no sistema hemostático, atuando como barreira primária no controle do
extravasamento sanguíneo, gerado principalmente por uma lesão tecidual.
Assim, as
células que compõe o sistema circulatório atuam no transporte dos gases
(eritrócitos), na defesa do organismo (leucócitos) e auxiliam o equilíbrio
hemostático (trombócitos e plaquetas). Na próxima aula conheceremos os
mecanismos que possibilitam o equilíbrio hemostático, o sistema de coagulação e
fibrinólise.
Hemostasia
e coagulação
O sistema
hemostático representa o mecanismo de defesa natural de todos os vertebrados. A
função normal do sistema hemostático é manter o sangue em um estado fluido em
situações fisiológicas e mudar rapidamente essa condição frente a danos
vasculares, impedindo a perda de sangue pela parede lesada.
O sistema
hemostático envolve um conjunto de eventos complexos, tais como agregação
plaquetária e coagulação sanguínea, cujo objetivo final é a formação dos
coágulos sanguíneos que, em conjunto com a vasoconstrição, impedem a perda do
sangue.
Em
condições normais estes eventos são regulados pelo sistema fibrinolítico e
anticoagulante, que são ativados simultaneamente para evitar a formação
excessiva de coágulos que poderiam levar aos distúrbios patológicos.
A
coagulação sanguínea é basicamente um processo autocatalítico e autolimitado
que culmina na formação de trombina em quantidades suficientes para a conversão
do fibrinogênio em coágulos de fibrina. Durante o processo, os fatores da
coagulação (circulantes no plasma na sua forma inativa ou zimogênio) que são
ativados, formam complexos na superfície das membranas celulares com o objetivo
de ativar sucessivamente outros fatores da coagulação.
Classicamente,
a coagulação sangüínea é dividida em uma via intrínseca ou fase de
contato, em que todos os fatores necessários estão presentes na circulação
e a reação inicial é o contato com superfícies carregadas negativamente, e uma via
extrínseca ou dependente do fator tissular que é ativada após ocorrer
uma lesão vascular. Ambas as vias convergem na ativação do fator X da
coagulação, ou fator de Stuart (protrombinase) que, uma vez ativado,
desencadeia uma via comum que conduz à formação de trombina.
Para
manter o sistema hemostático equilibrado, a coagulação sanguínea é controlada
pelo sistema fibrinolítico. O sistema fibrinolítico é ativado em paralelo ao
sistema procoagulante e tem a função de controlar e prevenir a propagação do
tampão plaquetário formado no local da lesão, evitando assim a obstrução dos
vasos.
No
entanto, o sistema hemostático dos vertebrados tem seus correspondentes nos
invertebrados. Os invertebrados apresentam sistema circulatório aberto e apesar
de ter composição química diferente, a hemolinfa possui as mesmas funções que o
sangue nos vertebrados. Além de impedir a perda de fluidos, o sistema
hemostático também evita a entrada dos microrganismos no animal.
Muitos
artrópodes possuem um sistema de coagulação em cascata que resulta na formação
mais intensa do coágulo, por apresentarem um sistema circulatório aberto, não
existe o problema potencial de induzir trombose. Além disso, como o sistema
circulatório aberto possui baixa pressão sanguínea a possibilidade de ocorrer
perda de fluidos em grandes quantidades é diminuída. O mecanismo mais simples
observado nos invertebrados é a aglutinação de corpúsculos sanguíneos.
A
aglutinação é seguida da formação de uma rede celular que se retrai e ajuda a
ocluir o ferimento. Isto é frequentemente auxiliado pela contração muscular da
parede do corpo, ajudando no fechamento da lesão. Em resumo, a manutenção do
mecanismo hemostático é essencial para todos os vertebrados e invertebrados.
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